domingo, 14 de março de 2010

Assembleia Municipal das Velas aprovou voto de pesar pelo falecimento de Carlos Faria



VOTO DE PESAR


Carlos Faria, poeta deste “S. Jorge: Açores! Perto de Portugal como tudo o que está no mar…” onde “esmeralda é a pele da ilha”, faleceu no passado dia 16 de Janeiro.
Foi ele que uma vez escreveu: “sobrevoar S. Jorge dá-me uma alegria nova e diferente. É um longo corpo de pedra, uma natureza insular que sinto à sua altura humana e geográfica. S. Jorge: a ilha, a mais ilha, a mais demorada, tranquila, isolada de silêncio, longa garupa dum cavalo de basalto! A ilha mais ilha, a povoar o mar que a viaja!”
Mas quem é esse “viandante que vem das poluídas metrópoles de aço e betão descobrir o caminho telúrico para as fajãs”, como escreve Urbano Bettencourt?

Artur Goulart descreve-o:

“Representante de uma firma de produtos farmacêuticos, terminados os seus contactos profissionais, na Calheta com o dr. Fernando Tristão da Cunha, nas Velas, com o António Pamplona e o eng. José Maria Melo, na Farmácia da Misericórdia, o Carlos Faria estava em casa.
Tanto podia estar à conversa no cais com os pescadores, como sentado no adro da igreja, ou ao “canto”, numa das tantas “pedras da preguiça”, como ele lhes chamava, onde o tempo parece que não existe, num cavaqueio de histórias e ditos com algumas das figuras típicas e populares da Vila.
Ou então, voltar à farmácia, onde após o encerramento, a conversa continuava, afiada e solta, mais saudável e popular que um xarope para a tosse. Ou a refrescar o seu físico atlético, perante a estranheza dos velenses, num silencioso banho de mar à meia-noite na baía das Velas. Ou ainda, numa petiscada de lapas ou cracas e outros condimentos em casa de amigos, ao sabor das muitas e apimentadas crónicas locais. Ou porque não, nas Manadas, em casa do Padre Terra Faria, espírito irrequieto e frontal, casa sempre aberta, excelente biblioteca, cozinha livre a qualquer hora, enquanto houvesse e do que houvesse”.

A propósito da sua prática desportiva, nomeadamente a natação e o arremesso, sendo recordista nacional desta última modalidade, conta Costa Brites que “numa acalorada troca de impressões em Ponta Delgada (fim dos anos sessenta) ouvi afirmar a Carlos Faria que o dopping que recomendava a todos os atletas era o da solidariedade fraterna: No próprio dia em que batera este record havia doado sangue gratuitamente a uma senhora idosa que disso carecia!...”

Por sua vez, Onésimo de Almeida assim fala das suas chegadas aos Açores:

“De Lisboa tu chegavas carregado de produtos farmacêuticos embrulhados em poemas e novidades das artes e das letras onde se escondiam ideias ainda mais novas e que o mar não deixava fisgar da distância das ilhas há quinhentos anos encalhadas a meio do Atlântico apesar de esse dealbar dos idos anos sessenta ser já bem tardio no calendário mundial das comunicações . Nunca te vi com nenhum frasco de comprimidos nem de xarope mas as tuas conversas curavam os nossos resfriados apanhados nas correntes de ar que o Tenente-Coronel José Agostinho sabido de meteorologias e das maleitas do clima ilhéu nos dizia temer mais que um canhão”

Com efeito, Carlos Faria, embora nascido na Golegã, nas suas andanças de vendedor de drogas e mesinhas, apaixonou-se pela ilha de S. Jorge e dela escreveu os mais belos poemas.

Mas não foi só a Ilha que o seduziu, foram os Açores! E fizeram-no de tal forma que levou Eduardo Bettencourt Pinto, outro homem de letras açoriano, a escrever que ele “foi, durante muitos anos, uma «ponte» cultural entre as ilhas e o continente, um activista da açorianidade e cantor singular de S. Jorge, seu espaço idílico, humano e geográfico”

Para Álamo Oliveira, como escrevia na revista “O Jorgense” dedicada ao V Encontro de Escritores, “há uma geração significativa de açorianos (não só os que se ligaram à escrita, mas também os que se mantiveram culturalmente activos) que, sempre que se recorre ao passado, se encontra com o Poeta Carlos Faria” terminando dizendo “que a ilha de S. Jorge possui um estimável conjunto de poemas - hino, declaração, esponsal, paixão e encanto deste Poeta que, agora e muito justificadamente, a Câmara Municipal das Velas homenageia. Mas continuaremos em dívida. A homenagem que lhe é devida só poderá ser saldada quando abranger todas as ilhas dos Açores”.

Felizmente para nós Jorgenses e, muito especialmente, para nós Velenses, ao contrário de outras personalidades esquecidas pela Ilha depois de tanto lhe terem dado, o seu livro “São Jorge - O Ciclo da Esmeralda” foi editado pela Câmara Municipal das Velas em 1992, por ocasião da V Semana Cultural, tendo então o lançamento contado com a sua presença.
A mesma edilidade, em 23 de Abril de 1998, atribuiu-lhe a Medalha de Prata do Município.

No mesmo ano, o jornal “Correio de S. Jorge” organizou o V Encontro de Escritores Açorianos, que na sua programação constou uma sessão de homenagem dos escritores presentes a Carlos Faria, tendo sido oradores Urbano Bettencourt, Tristão da Cunha e Artur Goulart, enquanto alguns alunos, coadjuvados pelo «Grupo de Português» do Secundário da Escola Básica 2,3/S das Velas, executaram uma declamação musicada de alguns dos seus poemas.

Agora, Carlos Faria, desapareceu do mundo dos vivos mas, como dizia num dos seus poemas “vou partir … E, não consigo ir inteiramente!”

De facto, não foi inteiramente porque ficará na memória dos que com ele privaram e nos seus poemas que permanecerão incólumes e “os pescadores no Cais das Velas” lhe continuarão a dar um Bom Dia “até ao cerco da noite!” porque em S. Jorge se deleitava e demorava. Mais do que isso, na sua homenagem à ilha “São Jorge – O ciclo da esmeralda”, afirmava e assinava o registo insistente da sua pertença: "Fico em São Jorge: / Viajar sem Viajar!”

Assim, proponho que a Assembleia Municipal das Velas aprove um Voto de Pesar pelo falecimento do Poeta Carlos Faria e guarde um minuto de silêncio em sua memória, fazendo constar este texto na página do Município das Velas e enviando-o ao seu filho, senhor Carlos Nuno Faria, sugerindo também à Câmara Municipal das Velas que, em preito de homenagem, reedite o livro “São Jorge - O ciclo da Esmeralda”

Velas, 30 de Janeiro de 2010

O proponente

António Frederico Correia Maciel

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